sexta-feira, 23 de novembro de 2012

Jovem Idosa

O prontuário me descreve com bursite
O receituário me prescreve uns tantos remédios
Os tantos remédios me atacam uma dor no estômago
Outro receituário me prescreve uns outros tantos remédios
A curandeira do bairro me indica um chá de tantas ervas
A rotina me leva a uns tantos copos d'água
A vontade, à cerveja.

Outro prontuário me castiga com bronquite, além de asmática, crônica.
O receituário me obriga ao pulmão, bromidrato de fenoterol
A curandeira me traz água fervente com outras tantas ervas
A rotina me traz menos dias
A vontade é de renascer.

Outro prontuário me indica o óbvio do stress
Enxaqueca
O receituário assinado como quase obituário
Me pune com tudo natural de viver
Viver assim na esteira defeituosa que vivo

Os punhos tremem,
 o estômago reclama,
 a cabeça condena,
 os olhos cerram,
 a boca não geme,
 o coração consente.

Sofro de obrigações.

segunda-feira, 12 de novembro de 2012

Rio Tietê

Teu coração é pequeno demais,
para o tanto de alma que tenho para dar.
Talvez por isso se explique outras projeções minhas,
a busca,
eu só não sou suficiente.

Num filme, num copo, num quadro, num carro, num corpo, numa cor.

Eu sou notícia velha de jornal forrando o asfalto lameado

Numa estrada, numa cidade, numa nuvem, numa porta, numa cama.

Eu sou a falta de apetite no jantar.
Eu sou a fantasia de carnaval fora de época,
Eu sou palhaço sem alegria.

Teu barco é pequeno demais,
para o tanto de água que quero navegar.
Eu sou a poluição do mar.

sexta-feira, 9 de novembro de 2012

Auto do Sétimo Andar

  Olhei para trás e vi que o rapaz de óculos amarelo continuava a me seguir, já havia mudado de ônibus três vezes desde que o percebi me seguindo após o fim do expediente. Agora no meu bairro, desviava de rua em rua, de esquina em esquina, enquanto pensava como consegui morar tanto tempo em um lugar onde só conheço meu prédio, mais especificamente meu andar, meu cubículo, minha janela pela fachada. Fingi abaixar para arrumar meus sapatos, ele parou, levantei rapidamente preparando para correr, então estava ele, incógnitamente, na minha frente, reconheci seus óculos e acordei.
   Acordei num espasmo, um cordão de saliva se rompeu escorrendo da minha boca, fez-se um barulho e o livro caiu no chão. Olhei para os lados, ainda com a imagem dos carros parados, a luz baixa refletindo na calçada, o cheiro acizentado da noite, mas não, era só minha sala, eu na cadeira velha e um livro no chão.
   Liguei a TV porque detesto o som dos meus pensamentos, fiz café, sentei novamente e só. A TV não me impediu de pensar. Tiquetaqueou o relógio e despertei de um desmaio consciente, exclamei em silêncio e sai para jantar, meu único sentimento do dia foi fisiológico. Sorri para o garçom, que não me reconheceu, sentei, comi, paguei. Na saída vi um rosto conhecido, olhei novamente e nada, reticente fui embora.
   Retomei a leitura do livro ao chegar em casa, a curiosidade me coçava o cérebro para lembrar o que de tão chato havia lido para me fazer dormir, já que há meses tenho insônia. Com a intenção de dormir, procurei uma posição confortável, em vão, as opções eram : meu quarto, cuja lâmpada estava quebrada (diga-se de passagem, desde que me mudei) ou a sala, onde só havia uma cadeira, que herdei de minha avó, só porque uma vez, por educação, elogiei a almofada estampada florida que ela mesma havia encapado. " Ficou linda a cadeira, vovó" "Gostou mesmo? Eu que fiz. Sem ajuda!" toda orgulhosa pela prova de superação do Parkinson. Alguns meses depois, morreu.
   Não foi difícil achar a página a qual parei, esta, estava amassada pelo tombo que levou, mas o livro era tão chato, que nem me importei, logo eu, que sempre tomei tanto cuidado com meus livros, me importo mais com estes do que com gente, ainda mais a gente que eu conheço. Olhei para as palavras sem lê-las, até achar uma que reconhecia, a partir de então, retomei a leitura do início do parágrafo.
Olhou para mim, mas continuou andando, pareceu não me reconhecer, estou tentando lhe alcançar desde a saída do trabalho, sem sucesso. Agora no bairro que tanto conheço, desvia de rua em rua, parecendo me mostrar o lugar, como guia, e como poderia não me recordar da cidade? Parou um momento e aproveitei para lhe falar - deixei o livro cair no chão, me levantei e ri, a sensação de "dejavú" e ceticismo me tomaram. Sonhei com o livro, um livro chato, tanto que nem me lembrava, quando acordei, do que havia lido. Minhas pálpebras pediam clementemente para fecharem-se, o meu cérebro que não permitia. Podia ouvir o sangue passando por minhas artérias, me distraí daquele silêncio incômodo retomando o livro, deitei no chão com a face para frente à lâmpada, tapei a luz com o livro, li.
   Acordei e percebi que já se passava do meio-dia, um cheiro forte de carne de porco ardiam minhas narinas, levantei do colchão e procurei minhas roupas, aquele quarto fedia a fungos e comida de bar. Percebi que um pé de meia havia sumido, e percebi da pior forma possível: pisando em uma poça d'água vinda do banheiro. Me conformei, vi o livro caído aberto, longe da poça, me estiquei para alcançá-lo, me doeu todo o corpo, dos mindinhos dos pés até as maçãs do rosto, sorri de dor.
Com o livro embaixo do braço, fui até o bar e perguntei pelo ponto de ônibus, "além de insônia, tenho sonambulismo" pensava enquanto o senhor com cheiro de suor e feijão me explicava o caminho. Demorei para chegar em casa, se não fosse o cheiro de porco, nem teria percebido a viagem. Tentava insistentemente lembrar, ou imaginar, como poderia ter acordado no outro lado da cidade. Enfim cheguei, me enfiei no chuveiro.
   Liguei a TV, e larguei meu corpo encharcado no chão empoeirado da sala, suspirei como defunto no caixão. Minha cabeça doía, luzes dançavam no escuro dos meus olhos fechados, meus dentes pareciam querer me devorar, minha respiração era asmática porém constante, a garganta pediu água, eu atendi.
   Tomei a decisão de trancar a casa antes de ler o livro, cair no sono e sair como zumbi, por sei lá onde. Esperei passar da meia-noite para então retomar a leitura, alguns flashes tomavam minha mente, lembranças de sonhos passado, eu não sei o que eram, sentia uma pancada no tórax a cada flash, o bumbo de uma música alta. Abri o livro e não parecia que eu tivesse avançado muito na leitura noite passada, decidi então persistir dessa vez.
  Cheguei tarde em seu apartamento, fiquei incomodado pelo horário, mas parecia estar me esperando. Não tive tempo de entrar, 'Vamos' e fomos. No elevador, perguntou onde estava morando, 'não tão bem quanto você' respondi, riu de mim, não para mim. Quis abrir uma garrafa de vinho ao chegarmos, ofereci água, riu de novo. Ligou o som alto e começou a telefonar, logo a casa estava cheia.
  Dançou com todos, bebeu de tudo, de todos, se debatia no sofá com outras três pessoas, fingi não ter ciúmes. Senti seus olhos me atravessando os óculos, mesmo míope, via-me refletido em suas pupilas, me pegou pelas mãos e nos fechou no quarto. Cheirou uma carreira inteira de cocaína, enquanto se mordia, me mordia também, tomei suas mãos que me agrediam, a violência ali, era minha.
   Meus olhos remontavam cada quadro das cenas que eu lia, e se montavam ao meu
redor, eu não estava mais em minha sala, eu estava naquele quarto, ou aquele lugar se montava na minha sala. Eu na cadeira embriagada, e pessoas passando, e vomitando, e dançando, se masturbando, tropeçando em mim. Ouvia a música com meu peito, um cheiro viciante, um ar grosso de respiração, de álcool, de suor, de drogas e sexo me dopavam. Um par de óculos caminhou em minha direção, encontrou minhas mãos, me jogou no chão e então uma página em branco.
   Levei uma mão trêmula até meu rosto, em uma quase convulsão me levantei. O livro estava em branco, caminhei meus dedos nas páginas seguintes, a história se seguia com as palavras tão dançantes, meus olhos só reconheciam letras, pontuações, espaços... Nenhuma palavra veio a mim, e eu não fui à elas, me dirigi a cozinha, procurando calma em um copo d'água, o que encontrei foi raiva de um vidro na minha mão. Eu era o vidro agora.
   "Não, não preciso de um curativo" respondi. Cedi, arrancou um pedaço de tecido de sua manga e amarrou na minha mão. Agradeci. Olhei para baixo, o sangue não estancava, mas sangrava com menor intensidade pelo menos.... Depois de um tempo, me cansei de olhar para o pedaço de pano ensanguentado, peguei o livro e com um suspiro o abri.
  Depois de um tempo que eu havia chegado, minha boca anunciava a necessidade de água, percebendo isso, foi até a cozinha, atender meu pedido. Da cozinha, ouvi um barulho e prontamente me dirigi até lá, "o que aconteceu?" nem precisou responder, o sangue escorrendo falou por si só. Um frio me subiu o estômago, ofereci ajuda já rasgando minha roupa para estancar o sangue, eu via a raiva em seus olhos. Me afastei, eu queria conversar sobre o que aconteceu, o que na hora parecia um assunto imposível de se tocar, insisti mesmo assim. Levantou o rosto e me xingou com os olhos, eu que abaixei o rosto dessa vez. Disse que o copo quebrou em sua mão e só, rebati que não era esse assunto que eu queria tratar, "você sabe o que estou falando" "eu sei, só não quero conversar" me testava a paciência, sua eterna teimosia com tudo, principalmente com a vida, insistia em não viver.
   " Você não quer falar sobre a noite em minha casa?" me aproximei, e enquanto abria seu peito, arrancava-lhe a sujeira das entranhas 'você não pode fugir de mim, você não pode fugir de mim' posicionava meus pés sobre os seus e empurrava minha boca na sua. Rasquei-lhe a roupa e a alma, tentou fugir. Tentei fugir, o empurrei, cai da janela do sétimo andar.

quinta-feira, 1 de novembro de 2012

701

Ainda sou criança,
não sei brincar,
eu só sei mentir,
eu não sei rezar.
eu só sei fingir.
Se eu fosse um pássaro,
viveria engaiolado,
se eu fosse um gato,
seria adestrado,
se fosse máquina,
seria gente,
se fosse gente,
eu fingiria.
Sou o paciente 701.