terça-feira, 19 de março de 2013

Seu Zé da Portaria

Sete de Fevereiro
 
  Eu vejo em cartazes, pixações, adesivos espalhados pelos muros dizeres  MAIS AMOR, POR FAVOR, ou O AMOR É IMPORTANTE, PORRA, ou então GENTILEZA GERA GENTILEZA, o que me lava a pensar : A que ponto chegamos, que se faz necessário pedidos gritantes em muros por afeto, atenção, consideração, carinho e respeito ao próximo?
  Serão as pessoas assim tão encabrestadas e envoltas de si mesmas que se tornam incapazes de oferecer atenção ao próximo? Eu não sei nem se "oferecer" é a melhor palavra a ser usada... Serão todos assim, tão pequeninamente únicos indivíduos que só percebem a própria carência e não notam que o ato de amor é uma via de mão dupla ?
  A dor do outro é invisível a nossos olhos, a não ser quando nos tornamos sensíveis o bastante para nos reconhecermos no próximo, enxergar nos olhos, na menina dos olhos, nosso reflexo. Temos olhos, espelho da alma, temos boca, capaz de transmitir amor e desprezo, ouvidos, receptores do que as bocas escolhem transmitir. Temos mãos, nariz, pêlos, cabelos, toque, tato, calor, cheiro. Sensibilidade. Esses sentidos não podem ser ignorados, e são tantas vezes usados como escudos ao invés de aproximar, afasta. Fazemos deles ferramentas de nossas bolhas existênciais, na qual só há espaço para um, o ego.
  Tapamos os ouvidos com fones e escolhemos o que queremos ouvir, rádio? Não, apenas a música que eu escolhi. Tapamos os olhos com aplicativos de última geração, aqueles que nos dão contato com as "redes sociais", ou algum livro que nos conforta, o que vende mais na Saraiva, aquele que vão fazer um filme com a Jennifer Lawrence, ou é com a Emma Watson ? Não, eu li no twitter dela, que ela nunca faria esse filme...
  Nos orgulhamos tanto da racionalidade inerente e autoproclamada próprima do Homem, e nos esquecemos que antes de tudo, antes da razão, vem o choro. Sim, o choro. Não, eu não quis dizer a emoção, eu disse choro. O primeiro gesto humano, universalmente humano, que nos afasta qualquer diferença de cor da pele, dos olhos, etnia, cultura, país, condição social, é o choro. A expressão máxima da sensibilidade. Ao nascer, choramos. O bebê chora, os pais choram, ou só a mãe.
  Não deve, portanto, ser um fato vergonhoso pedir por amor, por favor (ainda mais assim, tão educadamente), ou então chorar em público, parar em uma praça e observar as pessoas, a rua, as árvores, conversar com o idoso, com a criança, oferecer ajuda a senhora carregando compras no ônibus, sorrir ao seu Zé porteiro, pedir licença ao faxineiro. Ao nascer, choramos. Não é vergonha, é nobre, é humano. É necessário humanizar o ser humano.

terça-feira, 12 de março de 2013

Aleijado

Teu santo é forte, é São Francisco?
Meu santo é forte não sinhô,
 meu santo é fraco, é aleijado
Mas teu santo é homem, é de importância?
Meu santo é não, sinhô,
 meu santo é negro, é ex-escravo
Quem te protege, quem é teu salvador?
Não tenho anju protetô...
Com quem tu falas, 
por que cola as mãos e olha o alto?
Porque quero força e vontade
pra montar essa bela imagem
que os homem diz ser igreja
pra mim é monumento de beleza
feita com poucas ferramenta
dum homem pobre, negro e sofredô,
Sô fraco, meu sinhô,
busco paz, calma e discanso,
ao nome, quero só a lembrança,
 na terra que nada que me deu,
e ao espírito, merecimento no colo de Deus.

segunda-feira, 4 de março de 2013

Estimação

Estimação
Estávamos eu e o rato na cozinha. Ele no canto embaixo do armário da pia, encostado na quina de duas paredes, e eu, na entrada, com meu dedo direito ainda no interruptor, e meus olhos escaneavam toda a cozinha, vagarosamente, pois não queria perder de vista os pequenos olhos vermelhos que avistara antes mesmo de acender a luz.
Cheguei a cozinha sedenta e tão violentamente, que aquele serzinho mal teve tempo de planejar uma fuga, foi de encontro a parede, encurralado, enquanto a mim, distraída que estava, levei um choque, quando meus olhos míopes cruzaram, em uma fração de segundos, duas luzinhas turvas avermelhadas, e ouvi um curto som estridente que me arrepiou até o dedão do pé.
E ali estávamos, eu e o rato, ele me olhava encolhido, tremendo, e eu o olhava pasma, calada, fria. Nada me passava pela cabeça, nem a vontade de gritar por socorro, ou de sair correndo de medo. Eu apenas pensava que havia um rato na minha cozinha, isso não poderia ser verdade, inacreditável, não era possível…
Afinal, aquela era minha casa que eu prezava com tanto gosto, Havia repintado as paredes a poucos dias, os quadros velhos nas paredes frescas, os meus móveis cor de café que combinavam com as rendas que cobriam a mesa de estar e o sofá, estes por sua vez, tinham a cor condizente com a do tapete goiaba.
Mas tudo o que eu pensava, era no rato encostado no azulejo da cozinha. A cozinha! O cômodo que, depois da sacada do quarto, era o que eu mais gostava de estar. Era ali pois, que eu cozinhava, com uma certa alegria no olfato, contraditória a do paladar admito, minhas refeições, e o forno, ainda bem distante do rato, eu havia assado um bolo de fubá (que não cresceu apesar) aquela tarde, e eu podia quase sentir o cheiro da erva doce com fubá, se não fosse a supremacia do cheiro oleoso e acizentado daquele roedor encostado no azulejo da minha cozinha.
E o rato ali estava, tremendo e emitindo sons de sua forma mais primordialmente roedora, eu quase pude sentir dó. Respirei um pouco mais fundo e ele gritou. Estendi minhã mão esquerda até a parede onde estava pendurado o chaveiro em forma de pires, um mimo, e alcancei a chave, quase simultaneamente, me afastava enquanto minha mão direita apagava a luz. Fechei a porta a cozinha e sai pelo corredor da sala. Fui tomar um café morno na padaria da esquina.

Acontece

Acontece
Quando você conta uma mentira uma vez, e gosta disso, você mentirá sempre.
Chega um momento, que você se torna um mentiroso patológico. Oh Céus,
                            ainda bem que eu não minto.
                                    só não conto a verdade.
Eu não sei o que dizer, aliás, nunca soube, mas eu gosto, me sinto bem, em escrever, o que quer que seja que eu sinto, penso, e quero transmitir. Eu sempre tomei muito cuidado nas escolhas das palavras, de uma forma quase política. Um certo eufemismo, admito, que sempre usei.
” Meu bem, eu não quebrei o copo; ele se quebrou enquanto eu o segurava.”
Pode soar como descaso, ironia, sarcasmo. E não é, eu sou assim, um meio termo, um eterno talvez , um eterno acidente, que nunca foi minha intenção, e a culpa não foi minha. As coisas acontecem. E aconteceu.
O copo se quebrou;
a promessa também;
e a confiança.
E eu não sei como me sinto. Sei que meu bolso acaba de perdeu R$1,99 pelo copo, mas enfim…meu coração perde mais do que valores contáveis.

Menos poeta

18 de fevereiro
Eu posso ser tudo,
 menos poeta.
Eu canto o instante que me encanta,
mas meu canto,
não encanta alheios instantes.
Eu posso ser livre nos passos,
mas as palavras são poucas e limitantes,
Eu posso ser tudo,
 menos poeta.

Eu vejo o voo dos pássaros,
o pulo do gato,
Ouço o choro de quem mama,
os suspiros de quem ama,
e tudo é bom a certa distância.
E tudo é belo na fotografia e no cinema,
Eu posso ser tudo,
 menos poeta.

Eu vejo a fuga e a tristeza,
Eu vejo a dor e não beleza,
Eu pinto o feio, o grito e a distorção.
Escrevo o manifesto infesto de assombração
Exponto o cheiro da flor morta e do chorumo do lixão.
Eu posso ser tudo,
 menos poeta.

Nem tudo é vivo na vida,
nem tudo tem beleza para ser belo.
Eu posso ser tudo...