segunda-feira, 4 de março de 2013

Estimação

Estimação
Estávamos eu e o rato na cozinha. Ele no canto embaixo do armário da pia, encostado na quina de duas paredes, e eu, na entrada, com meu dedo direito ainda no interruptor, e meus olhos escaneavam toda a cozinha, vagarosamente, pois não queria perder de vista os pequenos olhos vermelhos que avistara antes mesmo de acender a luz.
Cheguei a cozinha sedenta e tão violentamente, que aquele serzinho mal teve tempo de planejar uma fuga, foi de encontro a parede, encurralado, enquanto a mim, distraída que estava, levei um choque, quando meus olhos míopes cruzaram, em uma fração de segundos, duas luzinhas turvas avermelhadas, e ouvi um curto som estridente que me arrepiou até o dedão do pé.
E ali estávamos, eu e o rato, ele me olhava encolhido, tremendo, e eu o olhava pasma, calada, fria. Nada me passava pela cabeça, nem a vontade de gritar por socorro, ou de sair correndo de medo. Eu apenas pensava que havia um rato na minha cozinha, isso não poderia ser verdade, inacreditável, não era possível…
Afinal, aquela era minha casa que eu prezava com tanto gosto, Havia repintado as paredes a poucos dias, os quadros velhos nas paredes frescas, os meus móveis cor de café que combinavam com as rendas que cobriam a mesa de estar e o sofá, estes por sua vez, tinham a cor condizente com a do tapete goiaba.
Mas tudo o que eu pensava, era no rato encostado no azulejo da cozinha. A cozinha! O cômodo que, depois da sacada do quarto, era o que eu mais gostava de estar. Era ali pois, que eu cozinhava, com uma certa alegria no olfato, contraditória a do paladar admito, minhas refeições, e o forno, ainda bem distante do rato, eu havia assado um bolo de fubá (que não cresceu apesar) aquela tarde, e eu podia quase sentir o cheiro da erva doce com fubá, se não fosse a supremacia do cheiro oleoso e acizentado daquele roedor encostado no azulejo da minha cozinha.
E o rato ali estava, tremendo e emitindo sons de sua forma mais primordialmente roedora, eu quase pude sentir dó. Respirei um pouco mais fundo e ele gritou. Estendi minhã mão esquerda até a parede onde estava pendurado o chaveiro em forma de pires, um mimo, e alcancei a chave, quase simultaneamente, me afastava enquanto minha mão direita apagava a luz. Fechei a porta a cozinha e sai pelo corredor da sala. Fui tomar um café morno na padaria da esquina.

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