terça-feira, 17 de janeiro de 2012

W.

Eu tenho inveja de você Juan, pois na sua fantasia real aconteceram coisas que somente em sonho eu pude viver. Acordei chorando o seu nome, Pedro.
Foi um sonho desses, que a gente não sabe se está morto ou vivo, se estamos aqui ou ali, se é céu, inferno ou a Terra mesmo.... Só sei que a casa não era minha, não era de ninguém. E o corpo também.

Entrei pelo corredor lateral e adentrei pela porta dos fundos, na cozinha encontrei meu padrinho, alguns primos e crianças correndo como sempre, uma falação incapaz de se reconhecer qualquer voz que fosse, a mesa estava posta para o café da manhã, e ouvia-se muito o barulho de água corrente, da pia e chuveiros. Quis ver minha mãe e fui correndo para o quarto, a primeira porta que olhei, não a encontrei, o quarto em frente estava vazio, e enfim, no quarto ao lado, ouvindo o barulho do chuveiro, vi um colchão de casal no chão, um lençol branco estendido, e sob ele um vestido, uma carteira, batom, e mais alguns objetos que reconheci ser de mamãe. "Mãe?" e ouvi resposta, aliviei. No início de alguma conversa que nem sei qual era o assunto, pois tudo que ouvia eram sílabas, palavras, nada lógico na minha cabeça. O que me chamava atenção, foi o barulho de um vento, e olhar para trás, no quarto em frente, a porta estava trancada, era o quarto do meu avô, e por respeito, estava fechado. Olhei para trás e vi o armário do corredor com as portas escancaradas e as roupas antigas, com formato de seu corpo, movimentando, até o seu chapéu dançando, de um lado para outro rapidamente, movimentos que não eram dele. E sua voz, sua voz ventando.

"É impressão minha, ou estou ouvindo a voz do vovô?" - "Não, Nara, não é impressão, ele está aqui" responde meu primo enquanto guia meu olhar para a cabeceira da mesa, e eu o encontro sentado, o semblante triste e pálido, estava com uma camisa azul xadrez, brilhante, nova, e uma bermuda bege, com muitos bolsos, aquele calor quase desértico da terra roxa do oeste de são paulo é quase impossível sustentar qualquer roupa que fosse. Sua bengala estava apoiada na mesa, do outro lado, estava com o cotovelo direito apoiado na mesa, e a mão segurando a cabeça, preocupado, pensante.
"Eu tô aqui, fia" estendendo a mão esquerda para me alcançar, enquanto meu peito rasgava rios de lágrima, desespero e alegria, tristeza e transtorno, dei-lhe minha mão, e caminhando na sua direção, sua imagem cada vez ficava mais fraca, até chegar bem perto e ele totalmente desaparecer, mesmo assim, pude sentir um beijo no dorso da minha mão. Me afastei e o vi, ali, inteiro, mas não completo.

Sentamo-nos, estranhamente calmos na mesa, e enquanto nos serviamos de pães, geléias e leite, a conversa : "Vai telefonar para o Leci, vovô?" "Ih, vou nada" franzindo a testa e balançando o dedo negativamente" "Aquele já está grandinho". "Como está tudo, vovô?" pergunto "Ah fiica, tá muito difícil para mim, tá muito difícil onde estou. Agora que sabem que sou muito religioso do armário, sempre vão lá meter a tranca para me chamar, eu não consigo descansar"
Seus olhos para baixo, em nenhum momento diretos, semblante cansado, pálido, dolorido de dores de quem viveu muito.
Vai vô, vai descansar.

Um comentário:

  1. Eu consegui imaginar as cenas. A sensação de estar com a família.

    Ouvir você pessoalmente e ler o que você escreve me mostram lados completamente diferentes de você e por isso mesmo te fazem uma pessoa tão única, Narinha.
    Já estou com saudades,
    um beijo, Lili

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