quinta-feira, 1 de novembro de 2012

701

Ainda sou criança,
não sei brincar,
eu só sei mentir,
eu não sei rezar.
eu só sei fingir.
Se eu fosse um pássaro,
viveria engaiolado,
se eu fosse um gato,
seria adestrado,
se fosse máquina,
seria gente,
se fosse gente,
eu fingiria.
Sou o paciente 701.

quarta-feira, 10 de outubro de 2012

Intinerário

Respeite os meus pés inchados,
 os calos da mão tem mais idade que sua carteira assinada
Ande, e me dê lugar para sentar
ao menos espaço pra passar,

Não me apertes, já me basta o salário...
O mínimo não é suficiente nem pro mínimo
Deixe desse orgulho e olhe para o lado, camarada
Ande, vá, e me dê um lugar, por muito tempo eu não vou ficar
juro
nem aqui, nem em qualquer outro lugar
Deus gosta tanto de mim, que há de me levar mais cedo,
Gosta tanto de mim,
que até sorte tive de nascer!

Deus gosta tanto de mim,
 me deu esses sulcos de terra,
essas marcas de pedra nas pontas dos dedos,
esses ossos de engrenagem velha,
e um coração muito grande para onde habita.

Respeite minh'alma inchada, camarada, e me dê uns segundos para descansar.

domingo, 7 de outubro de 2012

Colheita

Sinto falta da ansiosidade oceânica
Hoje, a calmaria me atormenta.
Nesses tempos arenosos
tudo é sólido e passa a frente de meus olhos.
Escolhi não ver,
não sentir,
nao ouvir
A dor pinga em gota d'água no alumínio,
enferrujando a voz e a força do pensamento.
Não me incomodam os hábitos,
me cansam a um estado de letargia,
deixe estar, que assim está e continua.
 O retardo do tempo de amadurecer,
a fruta apodrece com a casca verde,
e o olfato denúncia o que a visão ignora.
- eu sinto sem saber.

E deixe que estar, que assim está
tudo é sólido, desgasta,
nada flui.

domingo, 16 de setembro de 2012

Setembro

Amanheço cada ve mais tarde
O que fui ontem não reconhece o hoje
Amanhã me desconstruo,
e serei novamente o intervalo entre a pretensão do real
a fantasia de carnaval.

Em minha figura poética, sou imagem
A hipérbole, o hipérbato, a metáfora, anáfora,
o sarcasmo nanquim de Deus.
Sou essencialmente o tom, nunca a cor.

Não me conheço,
não sei me apresenta como algo além do visível.
-Eu sei que vejo, mas não vejo que sei.

A pausa,
entre o primeiro e o segundo ato.
Perdida a partitura,
a música continua sem o solista.

quinta-feira, 6 de setembro de 2012

Identidade Falsa

Engoli um copo de mágoa com a sede de um gole de vida.
Sorri falsamente a saciedade,
enquanto mergulhava profundissimamente
meus olhos fechados num beijo,
eu me apaixonei com os olhos abertos.

Na desilusão em que vivi do outro lado do espelho,
desaprendi a enxergar meus maiores defeitos verdadeiros como são;
essa sensibilidade inerente,
de sentir o sabor do céu, ouvir  o som das cores, e tatear a tinta da poesia
sou criança pobre,
com pés descalços no parque
saboreando um pedaço açucarado de nuvem rosa.

E quando abro os olhos e me deparo com sua pele alva,
teus olhos caramelados, esse abraço de afago,
e um sorriso inseguro e sincero,
desisto da gramática,
me desprendo da didática,
e me entrego como sou.

E toda mágoa do espelho é então fotografia,
e o que sou hoje, não seria se não fosse.

quinta-feira, 16 de agosto de 2012

Previsão do tempo

Às vezes sinto sede do silêncio que mora em teu peito,
deitar e respirar teu ar,
às vezes sinto falta do que tenho todo dia,
e quero mais
não só de dia.

Às vezes calo um beijo com palavras,
os pensamentos que não digo,
meus olhos traduzem
um sorriso meio sem jeito,
avermelhado
ao te ouvir pedir,
ao te ouvir falar:
-Vem.

Os teus olhos certeiros,
teu sorriso sem medo,
teu jeito inseguro,
nossa solidão a dois,
construo imagens tuas
como se fosse minha
inteira,
e desenho.

E desenho em tuas curvas os arrepios que quero conquistar,
desenho nos lábios, os suspiros a arrancar,
empresto dos olhos as cores, que mudam
absorvem,
aderem a mim, sentido, vontade,
tranquilidade de pipa no céu noturno.

terça-feira, 7 de agosto de 2012

Eu vou morrer, é verdade.

Tudo o que vejo em mim é uma versão atrasada daquilo que nunca quis ser,
Um protótipo urbano de um ser em construção.
O típico indeciso
-Não sei o que quero.

Me doem os neurônios, a incapacidade de mudança,
a prisão da falsa liberdade,
a busca da felicidade,
- que não me percence.
 os sonhos comprados na internet,
e não de padaria,
a ilusão messiânica de salvar o mundo todo num só ato.

Eu vou morrer, é verdade.
E por que prender um pássaro que sabe seu prazo de validade?
Nada importa,
nada vale,
nada conta,
se sou só um
protótipo,
descartável,
inválido,
resíduo de fábrica.